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Residência Barbearia.

por Lucas Goulart, pesquisador, curador e educador.

Com a intervenção de Milton Tortella, um espaço expositivo é negociado nos limites da barbearia do Sr. Laércio, em funcionamento desde 1944, no bairro do Belém. Além das negociações típicas de um comércio que certamente acontecem nesse lugar desde a sua inauguração, os objetos, mobiliário e arquitetura do espaço deixam diferentes camadas de tempo — e memória — abertos à negociação.
 

A idade da fórmica, da cadeira de engraxar sapatos, as marcas no piso e os objetos espalhados pelos balcões mostram no passar do tempo, as tentativas de conciliar o exercício de um ofício e o ritmo de trabalho atual. Uma primeira impressão de marasmo dada pelo espaço é logo substituída pela percepção de que essas marcas temporais sobrepostas abrem fendas para pensar sobre envelhecimento, sobre luto e sobre as disputas de narrativas e memórias.

Do lado de fora, uma dinâmica parecida é observada: desde o início desse projeto, cresce o terreno vazio na esquina da rua Toledo de Barbosa com a Avenida Álvaro Ramos. A demolição sucessiva de casas, comércios e pequenos galpões da tradicional tipologia das vilas operárias da zona leste, abre espaço para torres similares às dos condomínios que já avizinham a barbearia.
 

Os trabalhos de Milton — que acrescentam ainda outra camada temporal e de uso ao lugar — tentam dar conta dessas inúmeras negociações e disputas. A barbearia é matéria-prima sensível e material de boa parte dos trabalhos apresentados. “Brasília”, formado por emblemas de carros, como os que o artista lembra de afanar por diversão na adolescência, diz tanto de uma memória pessoal quanto do período em que o espaço da barbearia servia como loja de automóveis. Assim como fala dos projetos desenvolvimentistas que nortearam a construção da Capital Federal e abriram espaço para a indústria de automóveis no país.

O processo de negociação levado a público por Milton são os seus próprios. Como conciliar memórias afetivas e importantes momentos de sua formação com sua prática artística e valores éticos atuais? O universo masculino da barbearia, do futebol, dos carros e das revistas de pornografia, é questionado considerando os debates sociais atuais, mas convive com o afeto e a nostalgia.

Acontecimentos sociais e imagens de circulação de massa – recuperados em “Chup Chup” – são produtos na equação da memória pessoal. A negociação é entre o público e o privado. E as contradições, conciliações e afetos envolvidos nessa espinhosa indissociabilidade.

Lucas Goulart é pesquisador, curador e educador. Bacharel em História da
Arte pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, onde desenvolveu pesquisa
sobre a construção da identidade nacional através da arquitetura modernista e
do tropicalismo, Integrou o grupo de pesquisa “Arte, política, decolonialidade -
para um estudo decolonial das artes no Brasil” (2018 - 2020) e ministrou aulas no
minicurso “Subjetividades Radicais”, organizado pelo grupo. Atualmente integra o
grupo de Pesquisa e Curadoria do Ateliê397.

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