top of page
Barbearia Residência é uma intervenção artística proposta pelo
artista visual Milton Tortella.

por Lígia Tortella, artista visual e produtora cultural.

É onde se apresenta o que veio antes e o que virá depois dos seus mais de 35 anos de carreira. Milton entra nessa exposição com a proteção das folhas de São Jorge, presentes no canto direito do salão da Barbearia, local que escolheu para gentilmente compartilhar sua produção atual, uma vez que resgata os símbolos que fizeram parte da sua construção enquanto indivíduo que passou a infância e adolescência rodeado pelos personagens e contextos que uma barbearia dos anos 40 propiciou.

 

Tortella volta à barbearia de seu pai, Laércio, espaço fundado em 1944 e que, desde então, amalgamou diversas histórias. Histórias que fizeram parte e colaboraram para a criação do imaginário de toda uma geração. Convém exaltar, nesse contexto, a figura do barbeiro, que ainda exerce seu ofício aos 91 anos e que durante todo o exercício da sua profissão, com uma palavra ou balançar de cabeça permitiu que conversas fluíssem.

 

Cada um dos 13 trabalhos expostos por toda a área do salão soluciona formalmente conversas políticas que se apresentam e, de certa forma, se repetem há tempos. Todo esse imaginário é, agora, apresentado com o objetivo de abrir para o público uma proposição que expõe arte e vivência num mesmo processo intrínseco.
 

A partir de 2017, o trabalho de Milton chega a um entendimento do contexto no qual está inserido, deixando de ser um trabalho poético que se resolve na tela e passando a tensionar questões políticas e sociais a partir do uso de objetos cotidianos. Sua atuação como professor e com a pedagogia constitui a base teórica para suas pesquisas, que se mostram atentas e dispostas a contribuir para a discussão artística e política, se é que se pode entendê-las como
conceitos distintos.

Ao abrir a possibilidade de conversas a partir do trabalho “Reflexo”, confronta o status quo geracional patriarcal. Ir a uma barbearia e ouvir palavras anti racistas e anti fascistas é subverter a ordem e abrir novos portais que ecoam por todos os cantos do espaço, lembrando e afirmando que “Papo de barbearia” não tem mais vez e que essa fala disfarçada de descontração tem que ser cortada pela raiz ou melhor, pela língua.

Os trabalhos mencionados acima dão uma pista do tom que a intervenção artística traz, onde a narrativa do artista mira em ir de encontro com quem está na posição de compreender esses
símbolos, propondo outras configurações para eles e nova construção de imaginário.

Entremeado nestes diálogos há também grande valor emocional nas narrativas apresentadas. Seria impossível dissociar o espaço da família e das figuras parentais. A barbearia desde sempre reuniu, além de clientes, a família do artista. Mafalda, mãe do artista (in memoriam), que já havia sido retratada em obras pelo filho a partir de suas longas e sempre bem feitas unhas vermelhas, é homenageada a partir do registro de seu processo de declínio
cognitivo durante a velhice. “Aptidão (Memória Afetiva)” mostra que propor o futuro é reconhecer e validar nossos ancestrais. Barbearia Residência é o ponto de encontro dos interesses e vivências de Tortella. É onde se desatam nós, ao mesmo tempo que solidifica e oferece proposições como pontos de continuidade, como nos trabalhos “Biblioteca”, “Discoteca” e “Arara de roupas”, trabalhos pensados para o público e que fecham a intervenção declarando a busca pelo exercício da coletividade a partir dali.

Lígia Tortella (São Paulo, 1998), é artista visual e produtora cultural. Atualmente trabalha como produtora no Ateliê397, além de ser gestora no Espaço Independente de Arte Contemporânea Colabirinto e fundadora do Núcleo Coluna, um núcleo artístico que pensa estratégias anti-capitalistas a partir da proposição de oficinas.

bottom of page